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Ócio

Em câmera lenta. Nesse ritmo vou levando os últimos dias. Dias de louça empilhada na pia, resto de molho, conhaque colado no fundo da taça, o livro encostado no criado-mudo. Dias de pele cheirando a colônia de vó. Sigo esparramando partes do corpo nos espaços que surgem, sem no entanto interagir ali – a permanência já é esforço demasiado penoso. Sou lesma obesa, cheia de ideias que não posso sustentar. Tudo a minha volta pesa, num estado de sono insuportável e, ao que parece, eterno. Kundera definiu bem, a insustentável leveza do ser. Tenho 7 quilos a mais. A língua enrola durante a fala, a pele fica cada dia mais macilenta, a pupila cai flácida, vagarosa. Tornei-me tipo adolescente ancião, que se limita a entreabrir os lábios em frente à tevê, todo molenga jogado no sofá. Se ao menos eu tivesse paciência para tevê. Mantenho os olhos hipnotizados no computador durante intermináveis horas, indiferente ao mundo que me espera lá fora. Por essa janela, nem a mariposa insistente consegue passar. O telefone toca e irrita, a campainha também. Para evitar aborrecimento, é melhor nem me chamar. Do relógio, os minutos despencam como navalhas, e essa alma frouxa não consegue acompanhar. Coisa chata, perder o passo na dança. Queria acordar lépida, mas só faço afundar no travesseiro. A onda vem e, tão devagar que remo, não consigo pegar carona. No máximo bóio, mas no fim morro na praia. Procrastinada, era isso que significava. Feito batatinha pisoteada, lembro a narrativa ultrapassada da mãe. Lembro também de palavras como adiposidade, estorvo, amolação. Justo eu, que nunca quis ir embora cedo, tenho vontade de acabar tudo antes, sem nem ter começado direito. Para ir a não sei onde. Pior seria me contentar com a possibilidade de chegar a lugar nenhum.